Por Laura Lucy Dias e
André Pires Paiva
Era dia cinco
de janeiro, ele chegou e foi colocado na cela, junto ao outro preso. Homem
alto, de meia idade, com bermuda e camisa ala Califórnia Beach. Não parecia ter passado a noite em bagunça, mas
chegara bem cedo, às cinco e meia da madrugada.
- Veio da
praia, tio? – perguntou o rapaz de uns vinte e cinco anos, que fora preso em
uma blitz da lei seca.
- Não, vim da
ZL. – respondeu de forma polida e seca.
Ele cheirava
a cerveja, mas não parecia bêbado.
- O que
rolou? Foi pego pela blitz também?- continuou o rapaz carente, pois estava já
na ressaca da noite anterior e ficara lá sozinho até agora. Era uma cela
daquelas em que você fica por algumas horas, ou um dia, até que resolvam te
soltar por você ser réu primário, e provavelmente vá pagar algumas cestas
básicas pelo delito.
- Não. Estava
na porta de casa ouvindo música e tomando uma cervejinha.
- Sério?! E
te prenderam por isso?- respondeu o rapaz, rindo-se todo.
- Lei do
silêncio.
- Como assim,
tio?
- Você já ouviu
falar da lei do silêncio? Eu não acreditava nela, até agora.
- Já ouvi
falar sim, por que você não acreditava nela?
- Você
conhece alguém, além de mim, que tenha sido preso por isso? Eu não!
- Realmente,
eu não conheço ninguém mais, além de você. – caiu na gargalhada sem conseguir
se controlar, e pedindo desculpas em gestos mal feitos.
- Pois é, eu
estou em férias agora. Trabalho durante o dia, e por morar longe do serviço, eu
saio de casa antes das cinco horas, e volto apenas depois das 20h da noite. Folgo
em escala, não tenho sábados e domingos. Trabalhei durante o natal e folguei no
ano novo, emendando com as minhas férias. Vou ficar em casa até dia 20 de
janeiro, e então volto à labuta. Eu sou um cara que foi criado com boa
música, sabe? Não é só por ser pobre que tenho que ouvir as músicas horríveis de
cada moda que se ouve na ZL, ZS ou qualquer outro lugar .
- Hum, o que
você ouve? – interessou-se o rapaz.
- Gosto de
música erudita. Adoro ouvir um Chopin, Beethoven, Bach, Mozart, etc. Esses são
os mais conhecidos pelos leigos, também gosto dos eruditos mais modernos como
Banks, Crowl e Scheldl. Além disso sou leitor, gosto de pegar livros na
biblioteca pública próxima de casa, assim como participo de grupos de troca de
livros, feiras e tudo mais.
- Certo, mas
o que isso tem a ver com as festas e por estar aqui?
- São muitos
anos sem descansar nessa época, em época de festas em geral. As festas e os
carros com os rádios ligados em funk hoje, em axé ontem... impossível de
dormir. Geralmente eles estavam indo embora para descansar, quando eu estava saindo
para pegar o ônibus. Esse ano eu decidi que seria diferente: no ano novo,
estava de folga em casa, e eu não consegui descansar. E agora que estou em
férias posso dormir durante o dia, e me divertir durante a noite.
- Se divertir como? Você começou a fazer isso quando?
- Minha
família saiu para viajar, a meu pedido, para verem a família de minha esposa no
Ceará, voltam no fim da semana, eles foram de ônibus. Eu queria colocar a minha
leitura em dia, veja, estou lendo agora “Crime e Castigo”, e trago junto “Os
Miseráveis”, caso passe mais tempo do que deva aqui. Imagine a cena: eu de
sandálias e roupa neste estilo aqui – aponta para os seus trajes -, com uma
cerveja de qualidade possível de se adquirir, com livros usados e de
biblioteca, sentado na cadeira de praia da família que coloquei na calçada. Ao
lado a caixa de som com o controle remoto. O rádio tocando o mp3 com mais de quinhentas
peças que eu tenho colecionado por mais de cinco anos. Eu me arrepiava ao ouvir
em volume máximo, o que ainda era bem inferior ao dos meus vizinhos. Imaginava o “prazer”
que eles estariam sentindo ao ouvir “A cavalgada das Valquírias”. No terceiro dia
ao fazer isso, me chega a polícia e me dão um aviso. Eu recolhi tudo e aguardei
vinte minutos, foi o tempo de eles voltarem para a sua rotina. Retomei tudo e
voltei a me divertir. Eles voltaram para uma segunda conversa, essa foi a do
policial amigo: “Nós entendemos, mas temos que cumprir nossa função”. Recolhi
tudo novamente, mais vinte minutos e voltei à calçada.
- E foi assim
que você veio parar aqui?
- Sim, se eu
soubesse que era tão fácil, teria ligado para a polícia antes. Mas de fato
estou satisfeito com o resultado. Consegui a minha vingança, este será um ano
diferente, em todas as minhas folgas, a partir de agora, meus vizinhos sempre
ouvirão música clássica. Queiram eles ou não. – encerrou o discurso com um
olhar enlouquecido, sentou-se do outro lado da cela e abriu o seu livro para
continuar a leitura.
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