sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

Crônica de fim de ano – por um pobre de bom gosto.



Por Laura Lucy Dias e André Pires Paiva


Era dia cinco de janeiro, ele chegou e foi colocado na cela, junto ao outro preso. Homem alto, de meia idade, com bermuda e camisa ala Califórnia Beach. Não parecia ter passado a noite em bagunça, mas chegara bem cedo, às cinco e meia da madrugada.

- Veio da praia, tio? – perguntou o rapaz de uns vinte e cinco anos, que fora preso em uma blitz da lei seca.

- Não, vim da ZL. – respondeu de forma polida e seca.

Ele cheirava a cerveja, mas não parecia bêbado.

- O que rolou? Foi pego pela blitz também?- continuou o rapaz carente, pois estava já na ressaca da noite anterior e ficara lá sozinho até agora. Era uma cela daquelas em que você fica por algumas horas, ou um dia, até que resolvam te soltar por você ser réu primário, e provavelmente vá pagar algumas cestas básicas pelo delito.

- Não. Estava na porta de casa ouvindo música e tomando uma cervejinha.

- Sério?! E te prenderam por isso?- respondeu o rapaz, rindo-se todo.

- Lei do silêncio.

- Como assim, tio?

- Você já ouviu falar da lei do silêncio? Eu não acreditava nela, até agora.

- Já ouvi falar sim, por que você não acreditava nela?

- Você conhece alguém, além de mim, que tenha sido preso por isso? Eu não!

- Realmente, eu não conheço ninguém mais, além de você. – caiu na gargalhada sem conseguir se controlar, e pedindo desculpas em gestos mal feitos.

- Pois é, eu estou em férias agora. Trabalho durante o dia, e por morar longe do serviço, eu saio de casa antes das cinco horas, e volto apenas depois das 20h da noite. Folgo em escala, não tenho sábados e domingos. Trabalhei durante o natal e folguei no ano novo, emendando com as minhas férias. Vou ficar em casa até dia 20 de janeiro, e então volto à labuta. Eu sou um cara que foi criado com boa música, sabe? Não é só por ser pobre que tenho que ouvir as músicas horríveis de cada moda que se ouve na ZL, ZS ou qualquer outro lugar .

- Hum, o que você ouve? – interessou-se o rapaz.

- Gosto de música erudita. Adoro ouvir um Chopin, Beethoven, Bach, Mozart, etc. Esses são os mais conhecidos pelos leigos, também gosto dos eruditos mais modernos como Banks, Crowl e Scheldl. Além disso sou leitor, gosto de pegar livros na biblioteca pública próxima de casa, assim como participo de grupos de troca de livros, feiras e tudo mais.

- Certo, mas o que isso tem a ver com as festas e por estar aqui?

- São muitos anos sem descansar nessa época, em época de festas em geral. As festas e os carros com os rádios ligados em funk hoje, em axé ontem... impossível de dormir. Geralmente eles estavam indo embora para descansar, quando eu estava saindo para pegar o ônibus. Esse ano eu decidi que seria diferente: no ano novo, estava de folga em casa, e eu não consegui descansar. E agora que estou em férias posso dormir durante o dia, e me divertir durante a noite.

- Se divertir como? Você começou a fazer isso quando?

- Minha família saiu para viajar, a meu pedido, para verem a família de minha esposa no Ceará, voltam no fim da semana, eles foram de ônibus. Eu queria colocar a minha leitura em dia, veja, estou lendo agora “Crime e Castigo”, e trago junto “Os Miseráveis”, caso passe mais tempo do que deva aqui. Imagine a cena: eu de sandálias e roupa neste estilo aqui – aponta para os seus trajes -, com uma cerveja de qualidade possível de se adquirir, com livros usados e de biblioteca, sentado na cadeira de praia da família que coloquei na calçada. Ao lado a caixa de som com o controle remoto. O rádio tocando o mp3 com mais de quinhentas peças que eu tenho colecionado por mais de cinco anos. Eu me arrepiava ao ouvir em volume máximo, o que ainda era bem inferior ao dos meus vizinhos. Imaginava o “prazer” que eles estariam sentindo ao ouvir “A cavalgada das Valquírias”. No terceiro dia ao fazer isso, me chega a polícia e me dão um aviso. Eu recolhi tudo e aguardei vinte minutos, foi o tempo de eles voltarem para a sua rotina. Retomei tudo e voltei a me divertir. Eles voltaram para uma segunda conversa, essa foi a do policial amigo: “Nós entendemos, mas temos que cumprir nossa função”. Recolhi tudo novamente, mais vinte minutos e voltei à calçada.

- E foi assim que você veio parar aqui?

- Sim, se eu soubesse que era tão fácil, teria ligado para a polícia antes. Mas de fato estou satisfeito com o resultado. Consegui a minha vingança, este será um ano diferente, em todas as minhas folgas, a partir de agora, meus vizinhos sempre ouvirão música clássica. Queiram eles ou não. – encerrou o discurso com um olhar enlouquecido, sentou-se do outro lado da cela e abriu o seu livro para continuar a leitura.




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