segunda-feira, 13 de março de 2017

Resenha crítica do filme Capitão fantástico

   Para começar quero dizer que é um ótimo filme, trazendo os questionamentos do extremismo de
forma chocante e caracterizada, e com seu final fantástico que mostra que o que mais vale é o equilíbrio e o respeito.
   Porém, precisamos falar sobre Claire. Não a psicopata, pois não há nenhum nesse filme, mas a morta. Eu leio o filme como uma denúncia grave sobre as condições da mulher na sociedade e tão graves que mostra que a mulher é invisível.
   Não negarei spoilers e por isso venho começar aqui a falar da introdução do filme, que se dá de forma a nos fazer simpatizar com a família que vive na floresta de forma quase militar. Digo isso pelo sistema de rotina que eles têm, e que logo se mostra muito mais uma milicia, visto os ideias de esquerda que eles trazem, e confesso que fiquei encantada com o ensino das crianças baseados na verdade, leitura e reflexão. O protagonismo e a independência eram claros como foco da educação do grupo.
   E eu via aquilo tudo e me perguntava: "Onde está a mulher?"
   Tudo começa com o Bo caçando um alce (desculpem se não acertei o nome do animal, não entendo dessas diferenças), para o seu ritual de passagem, no qual o pai o define como homem. Guardem esse momento, pois ele é importante para a revelação do papel da mulher na sociedade.
   Bem, ela nem nos foi apresentada. Na manhã seguinte, quando Ben vai com o seu filho mais velho Bo, à cidade mais próxima, os outros filhos cobram uma posição sobre o retorno da mãe, que estava longe a três meses e duas semanas, segundo diz uma de suas filhas.
   Ao ligar para a casa onde a mulher deveria estar, a irmã dela informa que na noite anterior Claire se suicidou, cortando os pulsos. Então nós descobrimos que na verdade o filme é contado do ponto de vista do Ben.
   Isso é muito importante também, já que por isso sabemos muito pouco do que é Claire.
   Uma família de um homem e mais seis filhos não é aceita no funeral devido Às mágoas do pai de Claire que não deseja o homem lá, já que ele culpa Ben pelo estado da filha, que estava em sua casa para tratamento.
   Segundo Ben, Claire tinha um problema com deficiência em neurotransmissores que não levavam para o cérebro a serotonina. Depois descobrimos que ela tinha transtorno bipolar. Ainda mais adiante descobrimos, pela narrativa de Ben, que ela tinha desenvolvido esse transtorno depois de ter o Bo, provavelmente resultante de uma depressão pós parto.
   Diz ainda que eles resolveram sair do sistema social quando Bo tinha entre 3 e 4 anos, para se estabelecerem na floresta quando ele tinha oito anos. Vivendo de forma isolada, educando os filhos em casa, com um olhar estrangeiro e superior para a sociedade que eles menosprezavam. E isso fica muito claro quando no banco uma das crianças mais jovens questiona sobre o peso das demais pessoas, gordas, que estão no ambiente. Eles começam a caçoar e são repreendidos posteriormente por eles mesmos, e arrematam dizendo que só caçoam dos católicos.
   Eles resolvem ir ao funeral, mesmo com o risco de Ben perder a guarda dos filhos.
   Antes disso ele sonha com Claire, a mulher do sonho está feliz e denota concordar com tudo o que há em torno deles, uma clara postura do olhar de Ben sobre a esposa dele.
  Ela será enterrada, mesmo contra o seu desejo, pelo pai. Eles desejam conceder o desejo da mulher morta e a cremar e jogar as cinzas em uma provada pública, depois de dançarem e cantarem em seu enterro. Esse é o único momento em que todos da família dela, sem contar os pais, a ouvem. Ela viveu muitos anos sofrendo desde momentos de euforia extrema até à desolação catatônica, e aqui eu vejo um estereótipo do Anticristo - filme de Lars Von Trier -, quando ele diz que achou que ele conseguiria ajudá-la assim. Como quando o marido decide cuidar da esposa doente pela perda do filho, assim como Claire perde o filho quando ele vira homem.
   A mudança para essa vida extrema era uma maneria de ajudar a mulher se curar, segundo ele.
  Ela não era ouvida e passou a agir de forma subversiva principalmente com o filho Bo, levando-o a fazer provas de aptidão para as faculdades mais renomadas dos EUA, sem que Ben, o pai, participasse ou entendesse, o que segundo ele era uma situação inferior, já que ele entendia que ninguém conseguiria ensinar mais nada ao filho.
   Essa mulher que é mãe e suicida, tem uma morte de virgem, com os braços cortados o sangue que vem é como o sangue da pureza e do sacrifício, ela morre como a mais pura mulher, antes mesmo de ser a mulher, já que o problema dela é ser mulher, e estar diante de uma sociedade extrema em que em nenhum momento a deixou ser, permanecer ou viver em paz.
   Seu pai a oprimiu com o extremo capitalismo, seu esposo a oprimiu com a extrema ideologia de esquerda e ela não pode ter o que mais queria, que era um meio termo. Antes de se suicidar ela já estava morta e a sua morte vem no momento em que ela deixa de ser mãe, visto que se mata no dia em que o filho mais velho, aquele com o qual ela teve a primeira relação materna, vem a tornar-se homem. Esse rompimento é claro e mostra que ela suportou o máximo que pode, porém, não mais que isso.
   Toda a saga se dá quando a família decide ir ao funeral e cremar a mãe. E mesmo assim ainda não foi dada a devida voz a mulher. Depois de ser enterrada, contra a sua vontade o filho do meio, o que parece mais psicopata, com uma atuação estupenda no momento da notícia da morte da mãe, acaba decidindo ficar com o avo, pois ele sabia que o pai não tinha dado a mãe ouvidos, e esse garoto acaba revelando ao pai o quanto ele estava sendo extremista e o enfrenta, como há de ser contra qualquer ditadura.
   Ao tentar "sequestrar" o filho, uma das meninas acaba por cair e se ferir gravemente, e ele decide deixar as crianças com o avo, pois ele nunca foi capaz de cuidar bem dos filhos, e a mulher não desejava mesmo que eles continuassem a viver de forma extrema. Quando o pai cede, ele ouve a mulher e aí ela pode contracenar, mesmo que apenas como um corpo morto em um caixão, ma cena linda e revoltante, do ponto de vista dos sacrifícios que uma mulher deve fazer para ser ouvida.
   Ela é cremada e o filho mais velho resolve viajar, em vez de seguir qualquer um dos planos que a mãe ou o pai tivessem, e isso é revelador, pois assim ele passa a ter identidade própria e não a ser um pedaço do pai ou da mãe que se propaga pela Terra, o que em geral é uma aberração.
   Ela aparece no filme 3 vezes, duas em sonho com o marido e o corpo dela sendo levado do cemitério, durante o restante do filme é apenas uma sombra que jaz sendo honrada, desonrada, desejada, idealizada, repudiada, exposta, ignorada... tudo, menos ouvida.
   Para tanto, acredito que a crítica a condição feminina está aí, mesmo que não seja clara, dentro dessa mudez reservada à mulher dentro de qualquer sistema, seja ele capitalista ou comunista visto que ambos são patriarcais.
   Acho que agora só nos resta a comemorar o aniversário de Chomsky.


(testo escrito sem revisão, qdo der revisarei)
 

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