sexta-feira, 16 de setembro de 2016

Maternidade culposa


17/9/2016 



A pacata vila de pensionistas que se localizava na periferia de uma cidade interiorana chamava-se "Descanso e Paz". Era um lugar destinado a policiais e suas famílias, incentivos feitos pelo governo daquele Estado, para garantir moradia e condições humanas. Porém, no fim das contas, quem acabou tendo a maior cota foram as famílias de policiais mortos ou inválidos por consequências de seu serviço. Havia muitas mulheres e muitas crianças e poucos inválidos, na verdade.
Uma periferia de cidade interiorana se caracteriza por estar bem distante dos centros, perto de matas e com pouca infraestrutura. As casas iguais se enfileiravam e havia um muro que deixava aquele condomínio parecer protegido. As noites eram bem frias devido à mata, e muitas vezes a ventania sussurrava dentre as árvores.
Juliana levantou assustada por estar ouvindo algo que não conseguia definir, correu para o quarto da mãe e a acordou. Ela ouvia sons que não eram dos sussurros das árvores e nem eram cães ou animais, sons comuns que eles ouviam esporadicamente. A menina arfava e chegou a urrar respondendo aos sons que dizia ouvir, mas sua mãe só pode concluir que ela estava sonâmbula. Em algum momento da alta madrugada a garota adormeceu em sua cama.
Poucos minutos depois o celular da mãe de Juliana sinalizou, como uma criança que está com fome, que a bateria estava acabando. Quando ela o verificou, havia diversas mensagens: mãe do Artur, mãe do Lucas, mãe do Leonardo, mãe da Fátima, mãe da Luíza. Todas relatando que as crianças estavam alucinadas e sonambulas. Parecia óbvio que aquilo era alguma coisa na alimentação da escola. Elas investigariam na manhã seguinte. 
A mãe de Juliana adormeceu e teve sonhos terríveis. Sonhou que Juliana pegava um trem para o centro, ela ia embora. A sensação era desprezível, pois era um alívio. Juliana acenava e se distanciava. A mães das outras crianças tiveram sonhos  e relatos parecidos, e acordaram enjoadas e com os seios doloridos.
O dia iniciou-se e transcorreu com as investigações, a escola averiguaria, as mães acabaram indo ao posto de saúde no centro, saíram com diagnósticos estranhos de gravidez. Pensaram “só pode ser psicológica”, mas não compartilharam essa informação entre elas, preferiram se resguardar e nenhuma sabia que as outras estavam na mesma situação. Porém, para garantir que não haveria problemas, investigaram também a padaria, o mercado e o açougue que as abastecia. Lembre-se que era uma região periférica, com poucas opções para tais fornecimentos.
Buscaram as crianças na escola, passaram a tarde observando-as e trocando mensagens, para se atualizarem sobre seus comportamentos. Seus filhos brincavam e se alimentavam normalmente, mas as mães... elas não! Elas ficaram enjoadas, tontas, com muita azia e mal-estar.
Durante a noite, novamente Juliana acordou desesperada com os sons que não se podiam ouvir, mas dessa vez deixou claro que não estava sonâmbula. Ela se inflamou como uma fogueira de Sabbath e obrigou a mãe a sair para observar o que havia na escuridão. Ela foi arrastada, pensando que provaria alguma coisa para a filha, mas o que se sucedeu foi que havia outras mães e crianças saindo à rua às três horas da madrugada. Elas se olharam, as crianças se dirigiram para a saída do lugar, elas as seguiram, tudo parecia fora do tempo: as árvores ariscas e o vento rangendo os dentes como se tivesse bruxismo, num ritmo acelerado e sexual, como se agissem minutos em segundos. Foi quando ouviram o som de um uivo contundente, diverso a qualquer outro uivo possível, como um uivo de núpcias.
A luz da lua era tremendamente maternal, acolhia a todos, e a sensação de estranheza se foi, as mulheres se aninharam em uma clareira pequena, em círculo. Adormeceram como se inanimadas, mas estavam extasiadas. As crianças estavam brincando e felizes sobre os corpos das mães, subindo nas árvores e se sintonizaram no tempo acelerado que estava além do tempo comum, como se segundos contemplassem minutos.
 A noite se passou quando a mãe de juliana acordou com umas pontadas no ventre, colocou a mão e sentiu que estava com a barriga enorme, olhou em volta e viu as outras mulheres prenhas como ela, algumas já acordadas, outras dormindo, e de repente ela olhou para cima, e viu a cena mais terrível que poderia ser descrita aqui: seus filhos, treze crianças, todas penduradas com uma estética impecável, alinhadas simetricamente e numa perspectiva perfeita de onde quer que se olhasse, penduradas nas árvores, enforcadas.

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