Guilherme ouvia a voz da mãe rezando, a voz estava longe e ele não distinguia de onde vinha. Ela sempre rezava, então não se preocupou muito. O que o pegou foi o fato de estar tudo tão escuro. Não só estava escuro, como estava muito frio. Estava tão quente quando se lembrava da sua casa, mas ali o seu hálito saia esfumaçando no ar.
Ele arriscou chamar pela mãe, para quem sabe obter
uma resposta aquela esquisitice toda:
- Mãe?! - gritou para frente.
Teve como retorno:
-MÃE MÃE MÃe mãe mã...
Um eco.
Ela continuou sua reza sem parar e ele sentiu medo.
O medo subiu pela espinha e tomou conta da mente e então Guilherme colocou-se a
rezar o pai nosso, pois sabia isso de cor. Rezou rápido, repetida e
fervorosamente até que sentiu um baque e seu corpo foi projetado para o nada,
no sentido de uma luz avermelhada e bruxuleante. Lá ele conseguiu ver vultos
que passavam por ele e o arranhavam, ele sentia sangue escorrer pelos
machucados, e gritava desesperado. A reza de sua mãe ficou mais forte, e ele
com mais medo. Gritou mais vezes por ela:
- Mãe, me ajuda! Mãe!
- Cale-se! - uma voz cavernosa e pegajosa se
apossou dele, chacoalhando- o no ar, fazendo aqueles vultos abrirem espaço em
torno dele e daquelas mão ferventes que o agarravam.
Guilherme pôs-se a chorar desesperadamente enquanto
gritava e sentia as carnes queimarem.
- Senhor, salva meu filhinho!
Ouviu a mãe dizendo claramente. Ela sabia! Ela
sabia! Mãe! Guilherme começou a gritar para ela e então ela começou a rezar
novamente. Em pânico o garoto quicou no chão enquanto aquele ser em brasa
infernal lhe largou gritando furioso:
- Ele é meu!
Nada mais passou por sua cabeça que não fosse o pai
nosso e a sua mãe. Guilherme rezou e rezou por horas, e sua mãe também.
Ele achou que não conseguiria, quando ouviu outras
vozes se juntando às vozes dele e de sua mãe, aquela escuridão cheia de vultos
se remexeu e ele não sentia mais tanto frio. Houve sons de rosnar e relinchos
infernais. Ele não parou de rezar e nem sua mãe.
Aos poucos Guilherme sentiu que estava muito úmido,
com dores lancinantes pela pele, e seu rosto queimava como se tivesse caído
água fervendo.
Sons mais fortes de trovões e explosões, muita
fumaça, as dores aumentavam, o cheiro de sangue e enxofre diminuiu e o cheiro
de urina e fezes marcou sua memória. Sentia dores de espasmos musculares mais
duras que câimbras da natação.
Vislumbrou sua mãe diante dele, sobre ele, muito
rápido, mas nada que o tirasse dali. Ouviu mais forte as vozes que se juntavam
ao coro de suas preces, conseguiu entender o que sua mãe pedia em suas preces:
- Senhor, livra meu filhinho desse demônio!
Ele estava possuído! Ele tinha um demônio em si!
Ele ... rezou mais, fez força, chamou pela mãe.
Por muito tempo a coisas ficaram assim, até que
Guilherme despertou para nossa realidade ao receber uma carga de água fria na
cara quente e rachada, sangrenta. Viu e observou vizinhos e um padre, o padre
Jorge, fumando no canto, todos suados, todos em pânico, todos aliviado.
Ele resfolegava quando sua mãe o levantou e
abraçou, e ele pode se olhar no espelho da parede em frente: era uma criança
inchada, cortada, rachada, acinzentada e arroxeada, seus olhos tinham sangue,
sua boca e sua pele, ele parecia um cadáver, um morto vivo.
Sempre do ponto de vista de crianças, suas protagonistas, os contos da Obra Perturbadora pretendem mexer com seu leitor, trazendo experiências de leitura com finais abertos e incongruências propositais, que podem até parecer em primeiro momento uma falha da autora, porém, o resultado no leitor é, em geral, atingido e previsto durante a sua produção.
Prepare-se para sentir estranheza, insegurança, suspense, violência, e principalmente a expectativa que traz a melhor sensação do suspense. A autora busca em alguns contos contextualizar o seu leitor para depois apresentar um desfecho incongruente ou violento, ou de uma forma muito distinta não contextualiza o leitor e dá toda a situação ocorrida e o que se espera é que a experiência do leitor trabalhe com as questões que surgem, de forma a trazer à tona a própria identidade do leitor, seja instigando-o a buscar respostas que não terá, a se revoltar com a falta de informação desejada ou a lidar com o prazer da sensação atingida na leitura. Que tipo de leitor é você? Um detetive, que quanto mais instigado mais busca saber? Um frustrado que para a leitura por não aceitar o jogo da autora? Um imaginativo que complementa as histórias com as possibilidades e se delicia, seja com o contexto que lhe é cobrado ou com o desfecho que é incongruente?
Descubra-se lendo a Obra Perturbadora, contos curtos e rápido de terror, mistério e suspense que trazem desde os mais clássicos terrores psicológicos até os mais modernos, influenciados por Edgar Alan Poe, Stephen King, Lovercraft, entre outros, além de o cinema do século XX e XXI.
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Prepare-se para sentir estranheza, insegurança, suspense, violência, e principalmente a expectativa que traz a melhor sensação do suspense. A autora busca em alguns contos contextualizar o seu leitor para depois apresentar um desfecho incongruente ou violento, ou de uma forma muito distinta não contextualiza o leitor e dá toda a situação ocorrida e o que se espera é que a experiência do leitor trabalhe com as questões que surgem, de forma a trazer à tona a própria identidade do leitor, seja instigando-o a buscar respostas que não terá, a se revoltar com a falta de informação desejada ou a lidar com o prazer da sensação atingida na leitura. Que tipo de leitor é você? Um detetive, que quanto mais instigado mais busca saber? Um frustrado que para a leitura por não aceitar o jogo da autora? Um imaginativo que complementa as histórias com as possibilidades e se delicia, seja com o contexto que lhe é cobrado ou com o desfecho que é incongruente?
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