segunda-feira, 15 de agosto de 2016

Possessão

14/8/2016






Guilherme ouvia a voz da mãe rezando, a voz estava longe e ele não distinguia de onde vinha. Ela sempre rezava, então não se preocupou muito. O que o pegou foi o fato de estar tudo tão escuro. Não só estava escuro, como estava muito frio. Estava tão quente quando se lembrava da sua casa, mas ali o seu hálito saia esfumaçando no ar.
Ele arriscou chamar pela mãe, para quem sabe obter uma resposta aquela esquisitice toda:
- Mãe?! - gritou para frente.
Teve como retorno:
-MÃE MÃE MÃe mãe mã...
Um eco.
Ela continuou sua reza sem parar e ele sentiu medo. O medo subiu pela espinha e tomou conta da mente e então Guilherme colocou-se a rezar o pai nosso, pois sabia isso de cor. Rezou rápido, repetida e fervorosamente até que sentiu um baque e seu corpo foi projetado para o nada, no sentido de uma luz avermelhada e bruxuleante. Lá ele conseguiu ver vultos que passavam por ele e o arranhavam, ele sentia sangue escorrer pelos machucados, e gritava desesperado. A reza de sua mãe ficou mais forte, e ele com mais medo. Gritou mais vezes por ela:
- Mãe, me ajuda! Mãe!
- Cale-se! - uma voz cavernosa e pegajosa se apossou dele, chacoalhando- o no ar, fazendo aqueles vultos abrirem espaço em torno dele e daquelas mão ferventes que o agarravam.
Guilherme pôs-se a chorar desesperadamente enquanto gritava e sentia as carnes queimarem.
- Senhor, salva meu filhinho!
Ouviu a mãe dizendo claramente. Ela sabia! Ela sabia! Mãe! Guilherme começou a gritar para ela e então ela começou a rezar novamente. Em pânico o garoto quicou no chão enquanto aquele ser em brasa infernal lhe largou gritando furioso:
- Ele é meu!
Nada mais passou por sua cabeça que não fosse o pai nosso e a sua mãe. Guilherme rezou e rezou por horas, e sua mãe também.
Ele achou que não conseguiria, quando ouviu outras vozes se juntando às vozes dele e de sua mãe, aquela escuridão cheia de vultos se remexeu e ele não sentia mais tanto frio. Houve sons de rosnar e relinchos infernais. Ele não parou de rezar e nem sua mãe.
Aos poucos Guilherme sentiu que estava muito úmido, com dores lancinantes pela pele, e seu rosto queimava como se tivesse caído água fervendo.
Sons mais fortes de trovões e explosões, muita fumaça, as dores aumentavam, o cheiro de sangue e enxofre diminuiu e o cheiro de urina e fezes marcou sua memória. Sentia dores de espasmos musculares mais duras que câimbras da natação.
Vislumbrou sua mãe diante dele, sobre ele, muito rápido, mas nada que o tirasse dali. Ouviu mais forte as vozes que se juntavam ao coro de suas preces, conseguiu entender o que sua mãe pedia em suas preces:
- Senhor, livra meu filhinho desse demônio!
Ele estava possuído! Ele tinha um demônio em si! Ele ... rezou mais, fez força, chamou pela mãe.
Por muito tempo a coisas ficaram assim, até que Guilherme despertou para nossa realidade ao receber uma carga de água fria na cara quente e rachada, sangrenta. Viu e observou vizinhos e um padre, o padre Jorge, fumando no canto, todos suados, todos em pânico, todos aliviado.

Ele resfolegava quando sua mãe o levantou e abraçou, e ele pode se olhar no espelho da parede em frente: era uma criança inchada, cortada, rachada, acinzentada e arroxeada, seus olhos tinham sangue, sua boca e sua pele, ele parecia um cadáver, um morto vivo.

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Sempre do ponto de vista de crianças, suas protagonistas, os contos da Obra Perturbadora pretendem mexer com seu leitor, trazendo experiências de leitura com finais abertos e incongruências propositais, que podem até parecer em primeiro momento uma falha da autora, porém, o resultado no leitor é, em geral, atingido e previsto durante a sua produção.
Prepare-se para sentir estranheza, insegurança, suspense, violência, e principalmente a expectativa que traz a melhor sensação do suspense. A autora busca em alguns contos contextualizar o seu leitor para depois apresentar um desfecho incongruente ou violento, ou de uma forma muito distinta não contextualiza o leitor e dá toda a situação ocorrida e o que se espera é que a experiência do leitor trabalhe com as questões que surgem, de forma a trazer à tona a própria identidade do leitor, seja instigando-o a buscar respostas que não terá, a se revoltar com a falta de informação desejada ou a lidar com o prazer da sensação atingida na leitura. Que tipo de leitor é você? Um detetive, que quanto mais instigado mais busca saber? Um frustrado que para a leitura por não aceitar o jogo da autora? Um imaginativo que complementa as histórias com as possibilidades e se delicia, seja com o contexto que lhe é cobrado ou com o desfecho que é incongruente?
Descubra-se lendo a Obra Perturbadora, contos curtos e rápido de terror, mistério e suspense que trazem desde os mais clássicos terrores psicológicos até os mais modernos, influenciados por Edgar Alan Poe, Stephen King, Lovercraft, entre outros, além de o cinema do século XX e XXI.

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